Questões da história da Lunda


I- A Terra da Amizade
       Poucas regiões de África terão sido objecto de tantos trabalhos de pesquisa e ensaio das diferentes disciplinas como a grande região da África Central ligada à bacia do rio Kongo e aos Rios Kwango e Kasai, cuja caminhada se faz no sentido norte. Descrições de detalhe sobre os cursos dos rios, sobretudo os nascidos no Alto Cikapa (Kwango, Kwilo, Luwangue, Cikapa, Ciumbe e Kasai), sua distribuição capilar pela região e sua relação com a erosão e com a deposição dos principais sedimentos constituíram objecto de alguns trabalhos de rigor publicados sobretudo a partir dos primeiros anos do século XX. As características do território, a sua especial orografia, a deposição das areias do Kalahari, as zonas de savana e floresta, tem uma relação profunda com a vida e os hábitos das populações que desde a pré-história ali viveram e criaram cultura. Apesar da pesquisa sistemática levada a cabo e da descoberta e datação de muitos sítios de habitação não é possível até hoje criar uma cronologia segura que ligue os tempos mais antigos aos mais recentes. Há dados e datas para as ocupações, para o início da produção da cerâmica, para a expansão dos metais, mas falta uma cartografia de todos os lugares. Analisando os dados é possível seguir e estabelecer os equilíbrios entre homens e meio desde tempos muito antigos[1].
         Muitas formações políticas e sociais, hoje ligadas a diferentes geografias, reclamam uma origem histórica relacionada com a Lunda. As formações sociais das Lundas angolanas[2]também reclamam um início histórico relacionado com o desenvolvimento do grande Império Lunda e com a expansão que transformou um conjunto de pequenas chefias ao longo do Rio Nkalanyi[3] numa poderosa formação social e política.[4] . O uso da palavra Lunda coloca sérios problemas cuja extensão não é possível discutir no âmbito de um trabalho desta natureza. Não é possível falar, quando abordamos a história, de Lunda Norte e Lunda Sul, mas de conceitos como Lunda, Império Lunda, Povos Lundanizados. Na documentação portuguesa mais antiga e no quadro de propostas de travessia de Angola a Moçambique aparece grafada a palavra “Mozuas” e logo “Moluas” para a seguir se fixar Lunda, traduzida pelos viajantes do século XIX, por “terra da amizade” -“ nome que tomou da  amizade (ruda) que reinava entre os povos e os chefes dos estados Bungos”[5]. O conceito ficou e foi crucial no longo processo de negociações ente as potências coloniais, sobretudo entre os Belgas e os Portugueses (iniciado em 1890-1891) e os portugueses mantiveram a designação Lunda, para um território maioritariamente ocupado por formações sociais cokwe. [6]

II No coração do Império
       Gerações de especialistas da palavra, os guardiães da tradição oral, consolidaram núcleos temáticos sobre as origens que constituem, até aos nossos dias, o referente fundamental e estruturante das histórias dos povos da região leste de Angola. Núcleos narrativos sobrevivem independentemente da origem e percurso do informante. As imagens do passado surgem como articuladoras das coerências do presente e para a construção dessa imagem contribuem todos os elementos do grupo.
       A história da África Central está ligada à formação e ao desenvolvimento dos povos Lunda e a maioria dos povos da região articula a sua história de forma a encontrar em aristocratas Lunda os seus heróis fundadores. A capacidade de converter grupos não lunda em formações sociais capazes de adoptar as suas instituições está na origem da expansão dos princípios políticos Lunda durante os séculos XVI e XVII. Numerosos títulos lunda tornam-se hereditários e os especialistas encontram diferentes momentos, embora com as dificuldades de estabelecimento de uma cronologia, nessa expansão relacionada com pressões e crescimento populacional dentro de um espaço ecologicamente determinado mas respondendo sempre às alterações que o comércio interior de toda a África vai apresentando em consonância com as demandas dos seus agentes e intermediários e com a localização das fontes de fornecimento. A simbologia da realeza, o carácter sagrado do poder, introduzidos na lunda por invasores luba[7], perpetua - se entre povos cokwe, mbangala, xinje mesmo que estes não tenham criado uma estrutura de poder igual à de que era investido o Mwant Yav[8]. A história da formação do Império Lunda é a história do aparecimento e reforço de instituições, resultado de um longo processo estendido no tempo e no espaço. Na origem está a formação de um grande conselho de chefes de terra e o caminho para uma centralização do poder a partir de regras de sucessão restritas.[9]
       A Henrique de Carvalho, explorador e viajante português que efectuou uma viagem à capital Lunda entre 1884 e 1887, se deve o mais detalhado relato das origens míticas do poder entre estes povos. Henrique de Carvalho ouvindo informantes de várias origens fixou a origem do poder, as questões da sua centralização e formas de transmissão.[10]
       “ Os Bungos viviam agrupados em diferentes povoações, governando-se independentemente cada uma com seu chefe, intitulado «senhor do estado», que tinha por distintivo o Lukano (bracelete feito de veias humanas)[11]. Os chefes d’estas povoações eram parentes e todos ouviam e respeitavam o mais velho, Iala Mácu (ĭala maku «mãe das pedras). Iala, de sua primeira mulher Cônti, ou Côndi contava dois filhos, Qingúri e Iala e uma filha Luéji, que tomaram para apelido o nome da mãe.
       Os filhos já adultos tornaram-se ociosos e entregaram-se ao uso imoderado das bebidas fermentadas, causando desordem e perturbações no estado. (…) Numa ocasião em que o velho se entretinha, como de costume a fabricar uma esteira no seu pátio reservado, entraram eles muito embriagados e seguiram direitos ao pai. Os filhos perturbados pelo malufo (vinho de palma) começaram a insultar o velho dizendo que os roubava estragando malufo.
       O pai surpreendido por tal atrevimento e desatino, limitou-se a  levantar os olhos para o mais velho e encolher os ombros. Este (Quinguri), sem mais demora, levanta o musunhi (musuni, espécie de cacheira) que trazia, e jogou-lhe uma pancada à cabeça que o prostrou logo sem  lhe dar tempo a gritar por socorro.
       Os filhos continuaram a insultá-lo e a moê-lo de pancadas com receio de que pudesse gritar, dizendo-lhe que ele já comera bastante ao estado e devia deixar lugar para outro, e foi só quando o supuseram sem fala e o viram banhado em sangue que o deixaram por ali abandonado.
        Luéji, recolhendo já tarde do serviço das lavras com as suas servas, como de costume, procurava o pai para o saudar, e não o vendo recolhido, seguiu para onde ouvia uns gemidos e ficou surpreendida com o triste quadro que viu diante de si.
       Pouco a pouco conseguiu saber do pai como os factos se passaram, e deles foi dando notícia aos parentes que vinham ao seu chamamento. Os parentes mais velhos entenderam cada um por sua parte mandar participação do ocorrido a todos os muatas próximos e antes da madrugada já os principais estavam ao lado de Iala moribundo. Este reconhecendo o seu fim próximo fez aproximar todos para lhe comunicar as suas vontades. (…) Depois do que se passara pedia a todos os amigos e parentes que se juntassem e reconhecessem a sua filha como única herdeira e senhora das terras.(…) Luéji a  Suana Murunda, satisfeita com a tutela no governo do estado, aumentando pelos do seu conselho, entretinha-se com as suas amilombes no serviço das lavras, apenas comparecia às audiências da manhã para  a resolução das demandas do povo e negócios do estado, em que confirmava o voto da maioria.
(…) Ilunga, filho de Mutombo, potentado da Luba, logo que este morreu e depois de ter procedido às cerimónias do óbito, como era um grande caçador, reuniu todos os seus amigos e dispôs-se a explorar as florestas do sul e quando chegou às margens do Cajidíxi encontrou as raparigas de Luéji que se apressaram a informar a Suana Murunda da chegada dos estrangeiros.
       Luéji, consultando os seus oráculos, convenceu-se de que seu pai se encarregara de lhe enviar aquele caçador e por isso resolveu convocar os cárulas ( na ordem ascendente) para os consultar o que lhe diziam os adivinhos e sobre o que lhe ditava o coração. Os velhos parentes que já simpatizavam com o caçador pronunciaram-se a seu favor, porque queriam que se cumprissem as vontades de Xacala Makala, e estavam sempre temerosos que Quinguri, conseguisse organizar  partido para roubar o lucano à irmã e tomar conta do estado”. [12]

A tradição recolhida por Henrique de Carvalho conta o casamento de Luéji e Cibinda Ilunga, a entrega do Lukano (Rukan[13]), ao caçador e o descontentamento dos ‘irmãos de Luéji’ que resolveram abandonar a capital do reino. O primeiro a partir foi Cinguri (Cinguli, Quinguri) que seguiu para ocidente na direcção do mar estando na origem da fundação do Reino de Kasanje. Outros dissidentes Lunda estariam na origem de estados em diferentes regiões de Angola:
            “ Andumba, era o mais velho e foi por isso considerado chefe. Estabeleceu-se, pouco mais ou menos, onde ainda hoje se acha o seu descendente, nas nascentes do Quango; e mais tarde os seus parentes, não menos ambiciosos que os descendentes do Muatiânvua, foram-se espalhando daí até ao Cassai até pouco mais de 12º latitude S. do Equador, constituindo novas tribus sob diversas denominações que tomaram os rios às margens dos quais se estabeleceram, como são os Angombes, Nungos, Luenas, Lassas, Cossas, todos conhecidos dos Lundas por Aîoko, nome que até hoje conservam e se pode interpretar por expatriados. Ná Cabamba Foi a mãe do Primeiro Quissengue, e este deu origem a um estado que veio constituir mais ao norte de seus parentes (…) por não querer sujeitar-se ao domínio de Ambumba .

A versão de Carvalho, uma entre as muitas recolhidas na região, é considerada pela moderna historiografia, uma versão com demasiado detalhe, talvez resultado da forma como a memória histórica de alguns dos informantes que o explorador ouviu compuseram a “versão bem comportada da história”[14]. Elaborado num tempo anterior à criação dos campos epistemológicos de muitas ciências, este relato é crucial para o entendimento da modificação das estruturas Lunda, bem como da sua expansão por um vasto território da África Central. A versão que os actuais habitantes das Lundas angolanas contam (recolha de campo de 2001, 2002 e 2003) mantém muitos dos episódios narrativos desta versão de Carvalho.
III História e ponto de vista
O conceito de antiga pertença, o reconhecimento da chefia, e a perpetuação de alguns laços sobreviveram aos anos de ocupação colonial, à descolonização e aos tempos pós independência. Cada um dos habitantes das regiões em estudo reconhece uma origem comum, tem ideia de um momento de migração, e das complexas redes de relações políticas que relacionaram os homens no interior da África Central. Para os povos que habitam as actuais Lundas angolanas o ponto de vista é essencialmente cokwe, como já o havia notado, nos anos quarenta do século XX, o antropólogo alemão Hermann Baumann, sublinhando que todos os Mianangana[15] ou chefes de aldeia estavam ligados desde a origem em torno do culto dos antepassados e de árvores simbólicas como as árvores Muyombo[16]. Ainda em Baumann podemos encontrar a referência à dualidade, masculino/feminino do poder, central para a compreensão da sociedade cokwe, das ligações matrilineares e outras questões do parentesco.
       O processo de separação das entidades Lunda e Cokwe foi um longo processo que teve como intervenientes principais nobres lunda, que perderam a sua língua mas conservaram algumas instituições e caçadores e ferreiros cokwe completamente independentes uns dos outros. No final do século XVIII já há notícia da busca de marfim e escravos por parte destes povos que os comerciantes de Benguela e Caconda consideram pertencentes aos “souvas Quiboque”, vassalos do poderoso “Souva dos moluas” e que estes comerciantes consideram “menos velhacos” e desejosos de fazer negócio. No século XIX são os viajantes que vão dando informações sobre diferentes formações sociais que cruzam estrategicamente os caminhos do comércio. Na verdade, a partir do núcleo central do Cibokwe[17] várias chefias se organizam em pequenas redes comerciais que num primeiro momento se encarregam de vender marfim e cera e comprar tecidos, armas e contaria, às grandes caravanas de longa distância organizadas por chefes ovimbundu e outros africanos ao serviço dos comerciantes da costa angolana. A particular organização dos cokwe é importante para perceber o seu papel no desenvolvimento deste comércio do interior de África. A sua organização funcional baseada na residência, o seu núcleo mais pequeno (Nzovo)[18], depois alargada à aldeia, numa relação complexa de aliança que pressupõe a terra e a sua apropriação, bem como a redistribuição dos seus produtos, que criaram laços muita para lá do quadro restrito do parentesco e restituem a extrema mobilidade da sociedade assente numa especial organização que permite a ausência prolongada de membros integrantes da sociedade e ainda o aproveitamento e a ocupação daqueles que, parentes ou herdeiros do poder, ficavam excluídos do seu exercício. Não menos importante se torna notar que o papel das mulheres e a sua valorização no sistema social Cokwe é central a esta possibilidade de movimentação e manutenção, ao mesmo tempo, da coesão da aldeia assente nos princípios usoko[19]. A tradição oral conserva até aos nossos dias o facto de serem as mulheres a ter um papel fundamental na recolha e preparação da cera, como o terão na manufactura da borracha[20]. A linhagem materna é importante e os rapazes cokwe só vivem com os pais até ser sujeitos ao ritual de passagem ou Mukanda[21] que cria uma irmandade de sangue e consequentemente elos de ligação entre várias aldeias. Depois disso e por norma o rapaz passa a viver com o tio materno.
IV Comércio e Vias Comunicantes
       As transformações nos padrões de comércio no interior angolano operam-se de forma lenta até meados do século XIX, para depois se transformarem quase de ano para ano, obrigando os mianangana (chefes da terra) cokwe a alterar estratégias porque a gestão de equilíbrios assim o determina. O preço do marfim sobe, o comércio de escravos apesar de proibido cresce no interior do território. Os intermediários assumem cada vez mais o papel de protagonistas. É lícito dizer que a partir de 1860 os cokwe deixam de fornecer as caravanas mbangala e ovimbundu para se tornarem em agentes principais desse comércio do interior cuja malha se estende e deixa absolutamente de obedecer às exigências das duas grandes vias transangolanas de comércio. Um tecido de pequenas vias alternativas ou comunicantes com as vias principais inscreve no espaço a capilaridade de relações extremamente complexas que transcendem o comércio e tornam as caravanas o aspecto exterior do continente em mudança. A proibição do tráfico da costa não impede o seu recrudescimento no interior e dá lugar a novos actores, novas vias comerciais, novas redes de intermediários e novas políticas de aliança. Os mercados deslocam-se mais para o interior e Kassanje perde parte do controlo sobre algumas das redes comerciais. As pequenas caravanas Cokwe ainda em acção em 1870[22] deixam de ter apenas o controlo das pequenas redes internas para se tornarem as maiores e mais importantes caravanas de comércio do interior. A procura de marfim pressiona este povo para norte e as vias de drenagem das mercadorias, bem como os mercados multiplicam-se. Os comerciantes cokwe adoptam modelos de organização caravaneira a partir dos antigos modelos ovimbundu e mbangala e em apenas alguns anos controlam grandes rotas do tráfico do interior, deles dependendo caravanas de centenas de carregadores.
       Importa referir que toda esta modificação Cokwe assenta num modelo de “assimilação cultural” que lhes confere a agilidade necessária a uma ocupação lenta de espaços estratégicos à sobrevivência e crescimento eficaz durante todo o século XIX. Abertos a todo o tipo de opções e adaptações estreiam-se num modelo cujo ponto fulcral é a noção de “equilíbrio oscilante” de que fala Max Gluckmann, citado por Georges Balandier para combater os radicalismos das noções estáticas sobre as sociedades africanas[23]. Aqui o que encontramos é uma realidade centrada na dinâmica do crescimento e na reprodução de um modelo social eficaz. A aliança com os novos grupos através do casamento é uma prática comum. Progredindo, instalam-se numa área e estabelecem um protocolo de relações cordiais com os hospedeiros, prestando-lhes serviços. Alargam as relações com as populações vizinhas e fazem constar as suas habilidades como caçadores, ferreiros, adivinhos e curandeiros. A progressão norte que os Cokwe efectuam no século XIX está em grande parte relacionada com a gestão dos equilíbrios das riquezas florestais e com as pressões que a mundialização do comércio impõe. A sua estrutura política e social permite a mudança rápida.
       A muitos dos grandes chefes Lunda se deve o encorajamento da progressão cokwe, uma vez que alguns chefes lunda contratam caçadores cokwe e iniciam uma política de alianças que fortalece as instituições cokwe.
Os relatos dos viajantes dão notícia da progressão cokwe, ao mesmo tempo que introduzem os nomes de novos chefes e contam da mudança de estratégia para a nova situação de guerra e conquista. Os nomes ligados à origem Lunda dos “pais fundadores” vão lentamente desaparecendo para dar lugar a novos e desconhecidos nomes cuja legitimidade se encontra na guerra, na conquista e ocupação do território. Alguns títulos centrais para a compreensão do universo cokwe podem ter surgido neste momento ou ter visto as suas funções valorizadas a partir de meados do século XIX. É o caso de Cisengue, (Mwant Ciseng) actualmente o mais importante título nas chefias cokwe, considerado por muitos investigadores como um título relativamente recente na tradição cokwe : «O conjunto convencional dos principais reis Cokwe (Ndumba, Mbumba, Kanyika e Kandala) aparece em companhia de um recém-chegado do século XIX- Cisengue»,[24]. Carvalho situa o primeiro Cisengue na descendência de Na Kapamba e a sua origem nas migrações ocorridas na Lunda depois de Lweji. É ainda Carvalho que diz: «Dos principais descendem Andumba, Ambumba, Muxico (Quiniama), Miequeta, Quibau, Catende, Canhica, Cabinda, Miocoto, Quihendo, Cambomba, sendo estes os primeiros que em seguida a Quisengue se afastaram de Andumba, por causa das exigências de tributos e receio de feitiços»[25]. Carvalho situa no tempo do Mwant Yav Noéji as primeiras movimentações de Cisengue para norte.[26]
A Lunda dos Mwant Yav tinha perdido o controlo e a cobrança do tributo tornava-se cada vez mais difícil. O sistema tributário continua mas a noção de valor baseada nas legitimidades da história está substancialmente invertida por alturas de 1890. Os Cokwe espalham-se por toda a região do Kasai. Os governadores Lunda Mai Munene e Mwata Kumbana sucumbem à migração Cokwe por volta entre 1887 e 1890. Com a tomada da Mussumba (Musub), capital política do império Lunda e o exílio do Mwata Yav Mushid (Mushid-a-Mbumb Muteb) em Mutombo Mukulo (território da actual Republica Democrática do Congo) pode dizer-se que os Cokwe controlam toda a região do antigo império Lunda.
V O Tempo das Visitas
       O modelo político e económico reconverte-se a favor dos Cokwe durante mais de dez anos. O  Mwant Yav Mushid reorganiza-se e entra em contacto com o Estado Livre do Congo. É, assim, coincidente a retomada do poder pelos Lunda com a chegada dos Belgas ao território do Katanga, tendo o Estado Independente do Congo reconhecido o direito Lunda às terras ocupadas pelos Cokwe. A intervenção do estado colonial torna-se a partir dos primórdios do século XX permanente e a organização das companhias, mormente a Companhia do Kassai vai interferir com os anteriores relacionamentos. O avanço da fronteira colonial marca e divide os territórios Belgas e Portugueses, embora o fim das movimentações guerreiras e comerciais dos Cokwe estivesse longe de terminar.
        Caravanas de borracha continuam a sair de certas regiões de Angola, para serem vendidas à companhia do Kassai, mas os conceitos guerra e comércio alteram-se substancialmente, as campanhas de ocupação internacionalizam o conflito sobretudo depois da descoberta dos diamantes na região. Alianças são estabelecidas entre africanos e europeus para combater os Cokwe, tendo os Belgas reconhecido os direitos dos Lunda às suas “terras ancestrais”, uma vez que o controlo colonial efectivo só muito depois da Criação do Estado Livre do Congo tem lugar. A construção dos diferentes estados coloniais na região, estreitamente ligados aos interesses mineiros, trouxe diversas políticas de ocupação e relacionamento com as autoridades tradicionais. O crescimento das indústrias mineiras e as necessidades de mão-de-obra relacionam-se directamente com o problema da procura de trabalho barato e produtos rurais para suster a alimentação dos trabalhadores. Nas regiões subordinadas à política inglesa, a então Rodésia do Norte e à exploração belga, uma legislação aparece para regulamentar as relações entre os representantes das autoridades coloniais e as populações. Em alguns locais a aplicação da actuação do “Indirect Rule”[27] não foi seguida pelos administradores locais, partidários de uma política mais centralizadora, e foi, por vezes, contestada pelos missionários católicos que defendiam a política de assimilação[28]
   As estruturas políticas pré-coloniais foram objecto de perseguição e muitas vezes destruídas durante o período de “pacificação” para depois se assistir a um processo de nomeação e escolha de alguns chefes que David Gordon[29], num estudo sobre a então Rodésia do Norte e Congo Belga considera os “Chefs médaillés” aos quais foram, atribuídas algumas tarefas dentro do quadro da nova administração colonial. Um decreto de 1891, do tempo de Leopoldo, já reconhecia algumas dessas chefias, em alguns territórios, destinadas ao papel de mediadores entre a administração colonial e as comunidades africanas. Uma dualidade e várias ambiguidades transparecem na documentação existente sobre este assunto marcadas por um crescente aumento dos poderes dos chefes nomeados independentemente do que nas aldeias e nas zonas rurais se passava com os chefes reconhecidos pelas comunidades. Muitos administradores das colónias preocuparam-se mesmo em investigar genealogias pré-coloniais numa tentativa de legitimar um processo de ligação dos novos chefes às origens fundadoras do império Lunda. Há que ter em conta, no entanto que a produção do poder, depende dos diferentes padrões de conquista e das diferentes formas da presença colonial. David Gordon considera que na então Rodésia do Norte o comportamento britânico é de distância (“dispersive british administrativ presence) permitindo mesmo um processo de reconsolidação de chefias com raízes históricas e legitimidades conhecidas[30].
   A política portuguesa foi de carácter substantivamente diferente, embora a ideia do “diálogo” com as autoridades tradicionais chegasse a estar presente em disposições legais:

“Em antigas disposições legais, principalmente um dos mais ilustres ministros da pasta do Ultramar, como foi Sá da Bandeira, preceituava-se que os sobas e potentados indígenas fossem aproveitados como representantes da nossa autoridade dentro dos seus estados, dando-se o seu apoio à sua suserania sobre os seus vassalos, e ao mesmo tempo aproveitando-a em benefício dos nossos interesses”[31]

diz-se, num trabalho de 1912, que culpa os militares de “se arrogarem o direito de substituírem os chefes indígenas”. Os códigos, estatutos e regulamentos que se sucederam (1900-1960), criando figuras legais para “protecção aos indígenas” retiram a uma parte significativa das populações africanas o estatuto de cidadãos e na sequência os direitos à posse privada das terras. O reconhecimento de algumas das autoridades tradicionais baseou-se sempre na possibilidade de obtenção de colaboração por parte destes chefes. [32] A legislação colonial fala em “sobas”[33], “regedores” rasurando particularismos e funções específicas de cada povo e região sobre a qual legislava.
  
      Os tratados de vassalagem e o reconhecimento dos chefes africanos presentes em protocolos anteriores (ainda no século XIX e primeiros anos do século XX) desaparecem depois da ocupação militar e estão ausentes da política de produção dos novos espaços das companhias mineiras, PEMA e DIAMANG, a operar no território em estudo:
             Uma coisa interessante. Quando começou a exploração de diamantes a partir de 1912/1913, a Diamang uma das coisas mais interessantes que fez foi estudar muito bem estes povos para melhor governar. O que é que se passou? Houve uma certa duplicidade em termos de poder. Todos os sobas que se encontravam nas áreas de exploração. Esses sobas não são verdadeiros sobas. Vieram de outros sítios...
Quando chegaram aqui a Diamang começou a indicar um capita e eles se tornaram sobas elos de ligação entre a comunidade e a Diamang , É quando uns que saíram do Moxico vieram. Ali onde saíram eram da linhagem dos sobas ou não eram. Mas quando chegaram aqui a Diamang escolhe um terreno. Vão construir aqui e um deles vai tornar-se soba. Falando de duplicidade. Quando o tal soba regressa na cidade natal não regressa como soba. Hoje são legitimamente reconhecidos. As leis da linhagem funcionam para esses sobas”[34].

  A questão dos poderes e da relação das autoridades coloniais com os poderes locais é uma delicada questão que atravessa toda a histórias das relações luso-africanas desde o século XVI. O momento da Diamang para o qual nos remete a entrevista acima citada é um momento de viragem importante balançado pela consolidação das estruturas de pesquisa mineira, o alargamento e a tomada de posse de um território muitas vezes coincidente com os territórios de antigas chefias cokwe ou lwena. Ao mesmo tempo as contingências da moderna política colonial tinham transformado todo o território destas antigas formações em territórios de fronteira de três impérios coloniais. A demarcação das fronteiras está em processo desde 1891 e desde essa data estão no terreno representantes do Estado Independente do Congo com o missionário George Grenfell a chefiar a missão pelo lado do Rei Leopoldo e Simão Cândido Sarmento, major do exército português a representar Portugal. Desta missão resulta a carta conhecida na documentação por “Carta de Grenfell ─ Sarmento” que se constituirá ponto de partida para as missões seguintes e a discussão e as divergências entre certos traçados da fronteira (região Uambo-Combo), na origem de abundante correspondência entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros Belga e o Ministério dos negócios estrangeiros Português. Uma comissão arbitral é primeiro sugerida e depois nomeada. [35]  

 Guarnições de fronteira rapidamente adoptam comportamentos que mimam episódios da história africana da região dos finais do século XIX. Razias, construção de postos fortificados, recrutamento de africanos para funções de vigilância (capitas e cipaios). Certas tradições locais recordam esses tempos como a “idade das visitas”[36]. Fenómenos de fronteira são contemporâneos de modificações dentro das sociedades ao mesmo tempo que os primeiros dispositivos e agentes da sociedade colonial estão em campo e fazem mudar a dorsal do comércio, agora mais dependente de fluxos migratórios que as acções militares e de cobrança dos impostos provocam. Dentro de uma mesma unidade territorial coexistem e relacionam-se “temporalidades discordantes”[37], visões da história e do passado de formações diferentes.
   A entrada do capital e a constituição da maioria das empresas são operações planificadas que seguem a par com a ocupação militar e administrativa provocando por vezes migrações em massa das populações que se recusam às novas condições de trabalho e ao pagamento de impostos. Novos desequilíbrios e a introdução do conceito de “zona rural” em contraponto com as zonas de acampamento junto das minas e as futuras cidades começam a realizar-se[38], não sendo, depois de 1900 possível analisar as questões ligadas ao fenómeno da mão – de -obra sem ser no quadro da análise dos problemas criados pela transferência de força de trabalho das aldeias para os grandes centros de recrutamento e utilização da mão –de - obra. Os mundos fechados[39] das empresas longe dos lugares de fundação operam modificações do espaço que produzem ecos significantes nos seus anteriores habitantes.
   Os poderes coloniais prestam-se, por vezes, no terreno, a operações de levantamento dos lugares que a memória local reconhece como importantes numa tentativa de legitimar novas ocupações ou o regresso de determinadas formações sociais e políticas aos lugares de ocupação antiga, abandonados na sequência das transformações ocorridas na África Central durante as duas últimas décadas do século XIX. Procuram conhecer a “história” das estruturas políticas e sociais dominantes para as legitimar. A documentação Belga e Portuguesa coeva está cheia de noções como “terras ancestrais” “regresso às terras ancestrais”[40]. O problema percorre os primeiros anos do século XX como se aduz da carta de Norton de Matos[41] dirigida ao governador do Congo Belga em 17 de Abril de 1922 solicitando, em nome da “orientação geral dos dois governos do Congo Belga e Angola... orientação de mútua cooperação e de comum esforço em tudo que represente civilização e progresso” um entendimento afim de evitar que “os rebeldes se refugiem no Congo Belga”[42]. As minas exigiam força de trabalho.
   Entre 1910 e 1912 as minas do Katanga estão em pleno desenvolvimento e para tal urgia criar bolsas de trabalho. O recrutamento muda-se para o Kassai e para Angola, sendo que as autoridades belgas pretendiam um acordo com Angola semelhante ao já existente entre a Witwatersrand Nativ Labour Association (WNLA) e Moçambique[43]. O fenómeno de mundialização do colonialismo obriga ao estudo de outras experiências coloniais para pôr em prática determinadas medidas.
   O poder colonial consciente das modificações internas ocorridas na maioria dos estados africanos pertencentes à zona da Bacia do Kongo e regiões limítrofes procede a operações de reconhecimento dos chefes que apoda de legítimos não hesitando no caso da região Luba (por exemplo) em ligar alguns novos chefes à instituição Bulopwe (O sangue sagrado das origens)[44].Apesar dos sistemas de dominação as sociedades africanas conservaram a sua mobilidade, o seu carácter policêntrico e a sua capacidade de reconstituição das referências identitárias que estão na origem de formações futuras e da habilidade para escapar ao controlo colonial quer pela oposição aberta quer pela fuga. A memória colectiva (no sentido em que Halbwachs a define[45]) conserva até aos nossos dias o abandono das minas por trabalhadores de certas regiões na altura dos ciclos do mel e da cera.


        

VI Mundos Fechados

A história do século XX está para as regiões em estudo ligada à descoberta dos diamantes e à criação das grandes companhias de exploração portuguesas e belgas. Não estão descritas pela literatura, nem a tradição oral conserva a memória de exploração e posse de minas de diamantes para os povos das regiões em estudo. As complexas relações dos povos desta região com a terra a clara definição dos seus princípios ligada às formulações sobre o mundo dos antepassados passam ao lado da sua utilização, num tempo histórico anterior a 1906, da sua utilização como lugar de extracção e garimpo.
       A história dos Diamantes e da Lunda estão profundamente ligadas às acções de prospecção do território e à descoberta em 1906 de diamantes na bacia do rio Cikapa[46]. O conhecimento muda  a partir da fase da prospecção e significa  a perda de controlo da informação e posse do território até aí exclusiva pertença dos povos locais. Foram geólogos contratados pela Forminiére[47]  que, em 1912, descobriram o primeiro diamante em território de Angola, no ribeiro Musualala, afluente da margem direita do Ciumbe, não longe da actual fronteira entre Angola e a Republica Democrática do Congo.
       A descoberta dos diamantes e as características dos depósitos encontrados inaugura para  a região a relação complexa entre mineração, força de trabalho e os fenómenos presença, ausência de trabalhadores, o recrutamento, impostos e novas ideias sobre a colonização do território. Projectos anteriores apontavam para uma colonização centrada na ocupação militar do território e a sua exploração agrícola, nunca pondo de parte as possibilidades de descoberta de ouro e cobre.             Os trabalhos de prospecção da Forminiére e a descoberta dos diamantes provocaram a constituição, em 4 de Setembro de 1912, da PEMA-Companhia de Pesquisas Mineiras de Angola[48], sociedade anónima de responsabilidade limitada com o objectivo de realizar em Angola, noutras colónias e noutras partes do mundo todas as operações mineiras, agrícolas, industriais e financeiras desde que permitida pelas leis dos países respectivos. As características da companhia permitiam o trabalho de prospecção como contínuo numa vasta área sem delimitação de fronteiras assente nos princípios de que a literatura colonial se faz eco de se tratar de uma terra de ninguém a Lunda como entidade geográfica e política oferece terreno para análise dos fundamentos do estado colonial e da sua maior ou menor presença a nível local[49] .
       A companhia inaugura uma estratégia que combina conhecimento, experiência e dominação, elementos de perturbação e alteração da vida das populações locais que reagem desde o início pela fuga ou pela guerra.[50] Como foi referido anteriormente a questão da violência assume aqui contornos que não se limitam ao confronto directo geralmente tratados como ocupação versus resistência na literatura histórica de várias épocas. A guerra é um facto para ser entendido na longa duração e pode ser analisado como uma pulsão para a formação de novas estruturas sociais que reproduzem e renovam as antigas de forma a assegurar a sua permanência no tempo e sobrevivência ao confronto com novas políticas.[51] Os centros da guerra mudam, como muda a forma de a encarar e tratar por parte dos seus principais intervenientes. A violência do confronto desencadeia respostas que constituem «técnicas de ajuste social: os códigos, as regras, as operações simbólicas e rituais, o direito»[52].
       A documentação fornece-nos muitos exemplos do que foi incluído na categoria guerra ou insubmissão que por ser semanticamente mais lata é usada para conter conflitos de sucessão, autoridades locais, gado, pagamento de portagens, impostos, recrutamento, trabalho contratado e assalariado. A «pax colonial» de que a companhia se faz promotora inaugura o tempo do controlo em vez da abolição do conflito. Cumpre chamar a atenção para o delineamento de uma estratégia que joga com a localização dos conflitos em zonas próximas das minas e com a necessidade de envolver no assunto as autoridades belgas. As informações demonstram ainda alguma insegurança no conhecimento da região, do poder real dos chefes locais e da atitude a tomar quanto à frequente passagem das populações de um lado para o outro da fronteira.
       A confirmação da viabilidade e da importância económica da exploração dos diamantes de Angola deu lugar a que a Pema e algumas das suas associadas promovessem a constituição de uma sociedade anónima de responsabilidade limitada a Companhia de Diamantes de Angola[53].
       A história da região leste de Angola é também e sobretudo a partir da instalação das primeiras prospecções mineiras, a história do trabalho, com todos os problemas da sua conceitualização, da relação com a legislação colonial e dos diferentes regimes de contratação. Um primeiro problema que se coloca quando se trata de mão-de-obra é a questão de a encontrar[54], sobretudo quando o que se tinha em vista era obter mão-de-obra barata e disciplinada. A região aos olhos dos prospectores e primeiros europeus encarregues de criar o espaço das companhias era vista como uma região desabitada, hostil e rebelde. A ideia de criar uma população residente ‘importada’ de outras regiões da colónia é cara aos responsáveis da companhia e atravessa toda a documentação trocada entre os representantes da empresa em Angola, a sede em Lisboa e as representações em Londres e Bruxelas.
          Um relatório do representante da companhia, de 1929, resume assim o problema:

Realizou-se assim, em parte, uma das velhas aspirações da Diamang, que era a de colonizar a região das minas com indígenas de outros distritos...
Essa ideia, já antiga de bastantes anos tinha tido origem em dois motivos. Um deles era o aumento da população da região. O outro era o de opor à grande massa de Quiocos insubmissos e rebeldes que povoam a região das minas, núcleos importantes de indígenas de raça diferente que em caso de revolta pudesse contê-los em respeito, ou mesmo absorção ou repulsão, fosse integrando em si parte dos elementos quiocos e afastando para longe a parte não integrável ou assimilável aos hábitos de trabalho, tão pouco características daquela raça de guerreiros e caçadores que do sul tinham vindo a expandir-se pela Lunda adentro ocupando terras e avassalando escravos”[55].

Os primeiros anos de exploração envolvem portanto as questões do trabalho (discussão em torno do contrato[56]), e das categorias de trabalhadores a empregar, da mobilização de todo o trabalho disponível, por exemplo o trabalho das mulheres e das crianças, a baixo custo, alimentação e saúde dos trabalhadores. Dos relatórios passam a constar os números de trabalhadores contratados divididos nas categorias de ‘brancos e indígenas’.

Quadro nº 1

ANOS
TRABALHADORES
       BRANCOS
TRABALHADORES
    INDÍGENAS
OBS.
1918
        11
    921

1919
        16
   1831

1920
        28
   4500

1921
        46
   5104

1922
        67
   5.104
Instabilidade de mão-de-obra, abandono das culturas
1923
        63
   3.143
Os números não coincidem com os do relatório da Direcção no Dundo. Insuficiência e instabilidade da mão-de-obra. A direcção afirma que as providências adoptadas e a adoptar levarão à fixação gradual, na região das minas, de uma população residente proveniente de outras regiões da colónia.
1924
         73
   3659

1925
         96
   3758

1926
       109
   4535
O vol. Médio de cascalho removido p/trabalhador/mês é de 6, 41 metros cúbicos
1927
       135
   6243

1928
       130
   5511
Vol. médio de cascalho, 7,52 metros cúbicos
1929
       109
   4712
Vol médio de cascalho 8,45 metros cúbicos
1930
       121
   4895
Vol médio de cascalho, 9, 73 metros cúbicos
1931
       122
   4988

1932
       107
   5285
*
1933
       100
   5011
Vol médio de cascalho 10,35 metros cúbicos
1934
       107
   5765
Vol médio de cascalho 11,90 metros cúbicos
1935
       125
   7233

1936
       140
   8954

1937
       156
   11156

1938
       175      
   10260

1939
       166
   9923

Fontes: Relatórios do Conselho de Administração (1917-1940) e Rapport de la Direction Technique de 1939.
*O relatório de Brandão de Mello referente ao ano de 1932 apresenta a diferença entre trabalhadores voluntários 4703 e contratados 2381(Fundo MUC, cx. 202.




        


       De notar que estão fora deste quadro uma quantidade substancial de mão-de-obra mobilizada pela companhia mas não contratada por ela. Assim dos quadros não constam os camponeses fornecedores de alimentos e ainda de trabalhadores não especializados, pequenos artesãos que começam a gravitar em torno do trabalho das minas, abertura de estradas e outras vias de comunicação. As mulheres estão fora das estatísticas, mas a companhia deita mão de uma série de medidas para captar esta força de trabalho que podia trabalhar nas quintas familiares (os excedentes eram comprados pela companhia) e também integradas nas ‘granjas’ da própria companhia.
       Durante os primeiros vinte anos de vida da companhia, muitas são as medidas para captar a vinda de mulheres para a região: oferta de panos, pagamento adiantado de dois anos de imposto do contratado e reforço da alimentação do mesmo durante a viagem de ida e volta. Pretendia-se fixar gente na região das minas. Porém, a Companhia não contou ou não soube ver os complexos problemas da dupla ligação das mulheres a um espaço (o espaço de cultivo nas suas terra natais) e a uma família da qual constituíam o garante e a legitimidade. Não é demais pensar que as autoridades coloniais das diferentes localidades terão também oferecido a sua resistência, uma vez que o trabalho das mulheres era capital para a abertura de estradas, a desmatação e a capina das regiões. No entanto, e através de demoradas negociações, a Companhia foi conseguindo a contratação de trabalhadores com as respectivas famílias[57].
       O quadro dos equilíbrios internos das sociedades africanas, com a permanência das mulheres nas zonas de origem dos trabalhadores, é assim frequentemente rompido pelas pressões a que as mesmas se encontram sujeitas: mobilização dos homens, obrigatoriedade de pagamento dos impostos e propaganda dos agentes angariadores. No entanto, e mesmo nas regiões demarcadas pela Diamang para a agricultura, as condições das relações não capitalistas de produção prevalecem e os dois sistemas (capitalista e ‘tradicional’) coincidem no espaço e no tempo, ultrapassando em muito a exploração mineira e agregando significados em relação às áreas de terra demarcadas para serem directamente exploradas pela Companhia. Ainda assim, surge uma discussão em relação à posse da terra, uma vez que por lei a empresa tinha que respeitar um certo espaço à volta dos aldeamentos locais. De novo o discurso sobre o povoamento esparso e as zonas desertas serve os interesses da companhia. Serve ainda a política da companhia na contratação de trabalhadores de outras regiões de Angola a insistência na incapacidade dos trabalhadores lunda para o trabalho e   no facto dos trabalhadores cokwe continuarem ‘rebeldes’ ao trabalho por o considerarem menor e próprio de contratados.
           Os problemas com a alimentação dos trabalhadores, bem como os altos índices de morbilidade e mortalidade, passam resumidamente nos relatórios dos representantes em Angola e são tratados com maior detalhe na correspondência e relatos enviados para Bruxelas[58]. A legislação prevê inspecção sanitária, tratamentos preventivos, como a obrigatoriedade das vacinas (anti–variólica e contra a febre tifóide), mas, antes de 1930, não se pode falar de uma política de saúde pública aplicada pela Companhia. Depois dessa data, a selecção torna-se mais rigorosa, passando a aplicar-se o índice de Pignet[59] e tentando-se solucionar o problema da alimentação com o aproveitamento dos víveres produzidos nas terras da Companhia: “Ainda em relação à mão-de-obra indígena e com o intuito de facilitar à Companhia a aquisição dos víveres necessários para os seus trabalhadores, S. Exª o Alto-comissário deu instruções telegráficas ao Governador da Lunda para pouco a pouco ir obrigando os quiocos a produzir géneros alimentícios”[60]. Esta determinação, consequência de negociações levadas a cabo pela companhia, mostra a importância que os víveres produzidos localmente tinham na alimentação dos trabalhadores. Estudos para substituir na dieta aprovada alguns produtos por outros de origem local são levados a cabo pelos médicos da Companhia[61]. O amendoim (ginguba) é fornecido e o milho transforma-se em cultura obrigatória depois dos anos quarenta.
       Podemos dizer que a partir desta época a paisagem física e cultural da região está profundamente modificada em grande parte por acção da Companhia e das relações de ambiguidade estabelecidas com os governos da província e seus representantes a nível local.
       A política de fixação das populações prevista pela Companhia é um processo lento, explicado pelas condições de trabalho, pela falta de incentivos, mesmo salariais, pelo trabalho das minas considerado violento e, muitas vezes, tentado como forma de punição. Vale lembrar que, depois da revolta de 1940, sucessivas levas de prisioneiros Cuvale são enviados para as minas[62] e muitos outros para aí vão quando capturados pelas autoridades administrativas por falta de pagamento dos impostos. A originalidade e as condições únicas dos regulamentos e dos sucessivos contratos entre a empresa e o estado colonial permitem o suprimento de mão-de-obra nos contingentes necessários. Mecanismos de pressão conduziram ao processo de assalariamento, que foi, para a região, muito tardio. Não é possível perceber a história do trabalho sem ter em conta os mecanismos de recrutamento ensaiados e o respaldo que a companhia sempre colheu das autoridades administrativas, as quais, por sua vez, exerceram todo o tipo de pressões sobre as autoridades tradicionais. A Diamang tornou-se num dos maiores empregadores de Angola e isso a foi obrigando a tomar medidas respeitantes à higiene e à saúde dos trabalhadores, tornando-se esta política num dos aspectos que conferiu ao longo dos anos maior visibilidade ao trabalho da empresa.


VII Discurso para fora
         Passa por aí o discurso para fora ensaiado pela companhia desde os primeiros anos (missão pacificadora e civilizadora) e que cria um enorme ruído, olhado de forma desconfiada por outros agentes do colonialismo português[63] e criticado pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freyre que visita  a companhia em 1951 e no seu livro Aventura e Rotina, diz sobre a Diamang:
“Tem-se aqui na verdade, um conforto profilático e quase clínico... Vida de indivíduos que para, não de deixarem contaminar por ambientes tropicais, vivessem como doentes ricos em hospitais e casas de saúde. Vida artificial. É o que mais sinto ao chegar ao Dundo, sob a iluminação festiva e ao mesmo tempo, clínica e policial, com que a sede da Companhia de Diamantes nos recebe.
       Policial porque o Dundo vive ─ e precisa viver ─ em estado permanente de defesa, não só contra  as doenças tropicais que possam fazer mal aos seus técnicos ou funcionários brancos, que vivem aqui com as suas famílias vida quase quimicamente pura, como contra possíveis ladrões de diamantes que pudessem aproveitar-se das sombras normais da noite, do escuro das noites tropicais, para investidas contra os cofres em que se guardam centenas e centenas de diamantes”[64].

 Esta publicação desencadeia entre outras uma crítica acerada do Comandante Ernesto Vilhena, Director da companhia de Diamantes de Angola, que desvaloriza a importância do livro de Gilberto Freyre “está longe do Monumental Trabalho de Casa Grande & Senzala[65]  e acusa o sociólogo brasileiro de não ter percebido os objectivos da Companhia. Aponta sobretudo para o facto de que:

“Freyre esquece, ou não chegou a perceber, que não se encontra numa simples vila ou lugar habitado de Angola, mas no centro de uma grande empresa industrial, amplíssima nos seus objectivos e na área em que presentemente actua (30.000Km; quase um terço de Portugal Continental) com uma população de 80000 almas, verdadeira «torre de comando» e centro vital de uma organização em que trabalham 332 europeus (acompanhados por 417 mulheres e crianças) e cerca de 17000 indígenas, reunidos e organizados com vista a um objectivo bem determinado, que é o de extrair diamantes, em condições de boa administração e de economia, que permitam retribuir o capital investido no empreendimento”[66] .

Este é o discurso da companhia, a sua argumentação de legitimidade, presente nos relatórios, artigos de jornal, participação nas efemérides portuguesas. O discurso procura traçar as suas linhas numa teoria do «colonialismo científico» cujas bases cruzam conhecimento e apropriação do conhecimento com modificação e implantação de modelos de assimilação cultural e mudança. O museu, cujas primeiras colecções datam de 1936[67], procura trabalhar segundo a definição de áreas  científicas que combinam  a  geologia, a arqueologia, a etnografia e a história (da Lunda e da Diamang). Os princípios articulam-se numa definição científica das diferentes ciências cujos campos epistemológicos concorrem para criar um arquivo da história da região. As campanhas aos lugares de origem dos povos da região são como viagens ao passado para reconstituir percursos e salvar para a posteridade um tempo em mudança por acção da companhia. O museu e as publicações culturais (o primeiro número é publicado em 1946) são os marcos distintivos da companhia que deseja um discurso de legitimação para dentro (os sobas da região são chamados a colaborar no museu, a aldeia museu promove festas regulares de celebração da cultura, artesãos são pagos para trabalhar junto ao museu) e um discurso para fora: a celebração da ciência que faz com que a companhia convide grandes especialistas do mundo (arqueólogos, estudiosos da “arte negra”) para legitimar e fundamentar os seus trabalhos. Cumpre chamar aqui a atenção para o processo de estranhamento que se inaugura com a abertura do museu à visita dos habitantes da região. Os relatórios do Museu fornecem informação sobre fuga (até de trabalhadores e guardas do museu) e interditos. A integração do museu na vida quotidiana das populações é um processo longo que se traduz hoje na ideia “dele (o museu) ter sido uma “coisa grande” que entretanto, se perdeu.

VIII Histórias do presente
       Depois da proclamação da Independência Nacional, a história da região Lunda é a história da reconversão ideológica e política dos povos a um modelo económico diferente, da sua relação com as  novas estruturas do estado que surgem,  com a ausência de uma companhia que a Endiama[68] não substitui e com  uma crescente dolarização da economia e seus mundos fechados e a abertos. O diamante torna-se central na vida dos habitantes da região sendo importante notar que esta extracção e comércio não seguem as mesmas linhas das anteriores rotas do comércio caravaneiro. São outros os agentes e intermediários e o factor guerra introduz novas obrigações.[69]. As zonas tradicionais de mercado são outras assim como as regras que pautam o novo comércio. A vinda de numerosos agentes estrangeiros, igrejas, alteram substancialmente a vida das populações da Lunda. Novas situações de empobrecimento levam as populações a viver na órbita do diamante, o que implica a mobilização dos jovens para o garimpo em busca da “Lubóia” ou seja a  grande pedra a pedra da salvação[70].
       O passado mais antigo é relembrado como horizonte mítico e estruturador da identidade e o mais recente situa-se na zona ambígua da libertação e da saudade. Por um lado é importante não haver trabalho forçado, por outro lado a nova guerra trouxe a morte de autoridades importantes, a necessidade de fuga permanente e a falta de escola e serviços de saúde. O passado contido na memória é dinâmico e tende a rasurar algumas questões para enfatizar outras.
 A história da memória colectiva faz-se da interferência de testemunhos individuais e pode ser retomada como um processo cultural em progressão com recurso à história mais antiga (Lunda) à história posterior (Cokwe, recurso à dominação colonial (Diamang) recurso ao presente (pós—
-independência):
           
Nós os cokwe como os Lundas somos os mesmos. Nós não nos separamos. Acredito que a colonização tenha feito que a separação acontecesse e nos dividimos Se os Mianangana anteriores se dividiram nós hoje estamos à procura de unidade entre nós. É claro que os Lundas conhecem uma parte devido à forma e à língua como foram educados. Também tem Cokwe que não conhecem a história deles, como também tem Lundas que não conhecem a história deles. Numa próxima ocasião nós os mais velhos que já conhecemos a história vamos explicar: ‘Quem dá não se deve arranjar intriga com ele’[71].


As trocas, a movimentação e a guerra tornaram mais fácil a compreensão de um presente que reproduz, transforma e adequa  a noção de espaço às necessidades do quotidiano. A lunda, como as suas diferentes fronteiras transformam-se em locais abertos a recomposições permanentes, espaço poroso para a troca de mercadorias, mas também lugar de troca e contaminação das linguagens saberes e instituições. Antigas legitimidades são lembradas pela memória colectiva quando se trata de reocupar a terra e recuperar antigos poderes desvalorizados pela acção da Companhia e pela proclamação de um estado laico e socialista. Os vazios do poder, as impossibilidades da administração do território foram preenchidos pelas instituições locais e seus agentes.
 
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[1] Para um conhecimento das culturas mais antigas ver J. Desmond Clarck, «Further Paleo – Anthropological Studies in Northern Lunda», Subsídios para a História, Arqueologia e Etnografia dos povos da Lunda, Diamang, Publicações Culturais nº 78, Lisboa, 1968; para um entendimento dessas culturas no contexto mais geral da Angola Pré-Histórica ver o trabalho de síntese de Carlos Ervedosa, Arqueologia Angolana, Luanda, Ministério da Educação, 1980. Para uma nova leitura dos dados e sua actualização ver Jan Vansina, How Societies Are Born, Governance in West Central Africa before 1600, University of Viginia Press, 2004.
[2] Administrativamente divididas em duas províncias, Lunda Norte e Lunda sul, pelo decreto 84/78 de 4 de Junho de 1978.
[3] Nkalanyi, afluente do Rio Sankuru (Lubilaci) na Republica Democrática do Congo.
[4] Commonwelth Lunda – Designação proposta por Jan Vansina para designar o “Império Lunda”: “Os Reinos Lunda não formaram um império no sentido de reconhecerem uma única chefia do estado, não foram governados a partir de um centro único e não formaram um simples e coeso território. É melhor a designação Commonwelth porque muitos dos quase autónomos centros foram fundados por colonizadores Lunda, que se misturaram com as populações locais”, Jan Vansina, “It Never happened: Kinguri’s Exodus and it’s Consequences”, History in Africa (1998), 411-27. Outros especialistas consideram a Lunda “ uma espécie de federação comercial e tributária, relativamente coerente e estruturada, cuja influência se estendia sobre uma vasta área entre o rio Cuango e as entidades étnicas e políticas Pende e Iaca, na beira do Congo, os Lovar (Luvale) do Alto Zambeze, mais a sul, e o Cazembe, no rio Luapula, mais a leste. Integrava as populações linguística e culturalmente distintas dessas regiões através de uma rede de autoridades e emissários políticos e militares que se identificavam como «Lundas» adoptando a organização e os símbolos políticos da corte do Muata Yanvo (Mwant Yav)”, Jill Dias, “O Império Africano”, pp.335, 336.

[5] . V.  Henrique de Carvalho, Etnhographia e História Tradicional dos Povos da Lunda, Lisboa, p. 63, nota 1.
[6] Ver sobre este assunto,  Eduard Bustin, Lunda under Belgian Rule, The Politics of Ethnicity,  pp. viii, ix.

[7] Segundo Bastin: «o chefe de sangue sagrado mulopwe, Chibinda Ilunga introduziu no país dos Lunda a concepção de organização política dos Lunda do Shaba que repousa na sacralidade do poder do chefe e no governo do seu estado por intermédio de uma hierarquia de funcionários», Statuettes Tshokwe du héros civilisateur “Tshibinda Ilunga, in Arts D’Afrique Noire, 19, 1976, p.27. O termo Mulopo (muropo) foi usado muitas vezes como sinónimo de Mwant yav como por exemplo no diário dos pombeiros angolanos Pedro João Baptista e Amaro José ou Anastácio Francisco no relato da «Viagem de Angola para os Rios de Senna (1802-1806)», Annaes Marítimos e Coloniais, Tomo III, Lisboa, 1843. Para uma compreensão das origens linguísticas da palavra ver Hoover, The Seduction Of Ruwej: Reconstructing Ruund History (The Nuclear Lunda, Zaire, Angola, Zâmbia),  vol. I, p. 543.
[8] Mwant Yav, rei, imperador. Carvalho considera o vocábulo composto e sinónimo de “senhor das riquezas, árvores, rios e pedras, todas as terras, todas as vidas, Ethnographia, p. 74. Título político muito antigo composto a partir de Senhor e do nome próprio Yav (víbora, serpente). Ver Hoover, Seduction, p. 541.
[9] Ver sobre este assunto Vansina, How Societies cit., p. 255.
[10] Henrique de Carvalho publicou um diário detalhado da sua viagem  Descripção da Viagem à Mussumba do Muatiânvua, Lisboa, 4 Vols., 1890-1894; a história dos diferentes povos Lunda, Ethnographia e História Tradicional, já citado neste trabalho; Methodo pratico para fallar a Língua da Lunda, contendo narrações históricas dos vários povos, 1890; A Lunda ou os Estados do Muatiânvua, domínios da soberania de Portugal, Lisboa, 1890;Metereologia, Climatologia e Colonisação. Estudos sobre a região percorrida pela expedição comparados com os dos beneméritos exploradores Capello e Ivens e de outros observadores nacionaes e estrangeiros. Modo Practico de  fazer colonisar com vantagem as terras de Angola, 1892; OJagado de Cassange na Província de Angola,  1898.
[11] Rukano, Rukan. Bracelete de veias humanas distintivo de soberania, o bracelete Lunda símbolo da autoridade real, (lucano) “são uns braceletes, distintivo que só usam o muatiânvua e Muata que têm estado. Já o usavam os senhores dos antigos Bungos, honra que depois Luéji-ia-Conti concedem a todos os Bungos logo que entregou o do pai a Chibinda Ilunga”, Carvalho, Ethnografia p. 59 e nota 2, 350 e segs., desenho em Ethnografia, p.112; V. Carvalho Methodo Pratico, p.367; “A jóia do reino, uma pulseira feita com os dentes dos antepassados, transforma o seu proprietário num ser semelhante a um deus aos olhos dos negros lunda e faz dele o soberano incondicional do reino dos Lunda”, Curt Von François (1888), in Heintze, Ethnographishe Aneignungen, p. 273; O sagrado bracelete real de tecido humano enrolado numa base de ferro, provavelmente de origem proto-lunda, Hoover, The Sedution, p.529. V. Tb. Heintze, Pioneiros, p.444. Lukanu (variante Cikanu) presente nos cestos de adivinhação Cokwe. Simboliza as tensões entre os poderes.
[12] Henrique de Carvalho, cit. pp. 60-91 (Texto com supressões).
[13]  Lukano, Rukano, Rukan, bracelete de veias humanas distintivo de soberania, o bracelete Lunda símbolo da autoridade real, (lucano) “são uns braceletes, distintivo que só usam o muatiânvua e Muata que têm estado. Já o usavam os senhores dos antigos Bungos, honra que Luéji-ia-Conti  entregou a Chibinda Ilunga”, Carvalho, Ethnografia p. 59 e nota 2, 350 e segs., desenho em Ethnografia, p.112; V. Carvalho Methodo Pratico, p.367; “A jóia do reino, uma pulseira feita com os dentes dos antepassados, transforma o seu proprietário num ser semelhante a um deus aos olhos dos negros lunda e faz dele o soberano incondicional do reino dos Lunda”, Curt Von François (1888), in Heintze, Ethnographishe Aneignungen, p. 273; O sagrado bracelete real de tecido humano enrolado numa base de ferro, provavelmente de origem proto-lunda, Hoover, The Sedution, p.529. V. Tb. Heintze, Pioneiros, p.444. Lukanu (variante Cikanu) presente nos cestos de adivinhação Cokwe. Simboliza as tensões entre os poderes e a sucessão.

[14] Ver crítica em Miller, Poder Político, p. 115 e Hoover, The Seduction, p. 231, nota 52.
[15] Anangana  (mw-; my-) Soba dinástico chefe; rei ou rainha; também a condição ou estado de (mw ou my) anangana, autoridade própria do soba dinástico ou a esfera da sua influência; realeza; reino, Barbosa, Dicionário, p. 13. “ Na base da organização social está a mianangana conceito de família alargada ou clã. Nas aldeias existe um número variável de mianangana e isto determina a organização espacial das residências e facilita a gestão da vida comunitária numa base descentralizada. Contudo há sinais que eles começam a perder alguma força relativamente aos líderes religiosos” (Estudo de caso efectuado pela ADRA, na Lunda-Sul em 2004). Ver Hermann Baumann, in Heintze, Ethnographische Aneignungen. Deutsche Forschungsreisende in Angola. Frankfurt: Lembeck. Versão portuguesa: Exploradores alemães em Angola: Apropriações Etnográficas, Lisboa/Luanda: Ed. Caminho/Nzila (no prelo).

[16] Muyombo ou Myombo o mesmo que Mukumbi Lannea ambacensis (Hiern), Engl. “O Mukumbi é uma árvore de madeira boa e macia. É do Mukumbi e da Mulemba (Ficus Psicolopoga Welw. ex Warb, Ficus Sicomurus, Phyllantus stuhlmannii Pax, Ficus thoningii Bleim) que os nativos plantam os seus Myombo, árvores protectoras da aldeia, representando o espírito dos seus ancestrais” diz José Vicente Martins em  Crenças, Adivinhação e Medicina Tradicionais entre o Tutchokwe do Nordeste de Angola, Lisboa, IICT, 1993, p. 344. O local onde repousam os espíritos da linhagem, segundo Miller, Poder Político e Parentesco, Luanda, Arquivo Histórico Nacional de Angola/Ministério da Cultura, 1995, p. 144.
[17] Cibokwe, lugar  de chegada dos primeiros nobres lunda em litígio com o poder do Mwant Yav, segundo a tradição. Os exploradores portugueses Capelo e Ivens, no seu livro De Benguela às Terras de Iaca, recolhem a tradição de Ndumba Ya Tembo, descendente dos “pais fundadores” : Ouvi contar a meus avós que toda esta terra que se estende ao longo do Cuango de cá e de lá era, noutro tempo, pouco povoada. Existia já o poderoso governo dos Lundas, e também uma mulher na mesma Lunda, denominada Tembo ou Lucuoquessa, que tinha três filhos chamados N’Dumba- Tembo, Muzumbo-Tembo e Cassanje-Tembo, caçadores notáveis, possuindo grandes partidas de gente, com que vagueavam pelo sertão, perseguindo e matando os animais que viam no caminho. Questões sérias, porém com o chefe do estado, deram em resultado a perseguição dos três caçadores, fugindo eles para oeste, com grandes troços de gente, na intenção de aí se estabelecerem. Abandonaram pois a Lunda, e, avançando para a margem do Cuango, conquistaram os povos que por ali se encontravam dispersos, dividindo as terras ente si pela forma como vou indicar.
                               N’dumba-Tembo tomou para si o T’chiboco, tendo por limites ao sul o Cassai, proximamente, ao oeste o Jombo, ao Norte o Mieji, Ao poente o Cuanza e o Luce por Leste; Muzumbo-Tembo tomou o Songo, isto é a terra que fica entre o Cuando e Tala-Mogongo até ao Cuije; Cassanje-Tembo escolheu para si as terras que no Norte se estendem entre o Cuango e Tala-Mugongo, sob a Denominação de Quembo, Songo e Holo, passando a chamar-se Jaga delas.
                               Nas melhores condições com os povos avassalados, começaram as suas relações, casando com os filhos destes, e, organizando os estados que hoje conheceis”.
                 

[18] A proposta é de Hermann Baumann que também chama atenção para o tipo de povoado entre os Cokwe, sucessivamente modificado e adaptado às condições do ambiente (a floresta ou a chana). Mazwo, Zwo, Casa, habitação de construção sólida entre os Cokwe, Baumann, Ethnographische Aneignungen, Trad. Portuguesa, (no prelo), Segundo João Vicente Martins, Elementos de Gramática UtchoKwe, p. 232, Nzuo, Pl. Mazuo é casa, em geral para os Cokwe. Nzo é ainda a grafia referida por MacGaffey para casa em certas regiões de língua kikongo.

[19] Usoko- s., parente, amigo, conterrâneo, João Vicente Martins, Elementos de Gramática de Utchokwe, p. 222. O mais importante núcleo da sociedade Cokwe, a matrilinhagem mínima de quatro gerações. Grupo de adultos ligados por laços de sangue, irmãos e irmãs, à sua mãe. Consiste num pequeno grupo de parentes (irmãos e irmãs) adultos, agregados em torno de uma mãe (no caso de ainda ser viva), e da sua descendência matrilinear. Os filhos das irmãs, mas não os seus maridos, pertencem ao usoko. Esta estrutura mais ou menos rígida e a sua implicação na sociedade cokwe pode ser acompanhada e percebida através do estudo do ciclo de vida de uma criança cokwe.”V. Miller, Cokwe Expansion, 1850-1900, Occasional Paper nº 1, African Studies Program, The University of Wisconsin Madison, Wisconsin 53706, Spring 1969, second printing, p.6

[20] Para uma abordagem mais profunda deste assunto ver Jill Dias, “Angola” in Império Africano, Vol. X, Lisboa, Editorial Estampa, 1999, especialmente pp.331, 332 e Joseph Miller, Way of Death, London, James Currey, 1988, p. 43. Os depoimentos recolhidos no campo (Lunda-Norte e Lunda-Sul) em 2003 confirmam que a memória colectiva mantém a importância do trabalho das mulheres na recolha e tratamento da cera e da borracha.
[21] de Kanda (mu-; mi-), unir, “Rito da iniciação masculina ou da circuncisão; Recinto onde decorre aquele rito; função ou actividade do nganga-mukànda ou o conjunto de utensílios que caracterizam aquela função”, Adriano Barbosa, Dicionário, p. 158; «Os rapazes dos sete para os oito anos, e as raparigas antes da puberdade são circuncidados, e depois dessa cerimónia os rapazes tomam um outro nome, que muitos substituem ao de leite... São os pais que entregam os rapazes naquela idade a um anganga da especialidade para a cerimónia da circuncisão que dura de uma determinda lua a outra. O anganga, tomando conta deles, leva-os para uma casa distante da povoação a que chamam mucanda, e onde eles se conservam em liberdade com os companheiros mas não tendo relações algumas com o exterior... A esta cerimónia chamam eles cata mugongue e faz-se sempre a um grupo de rapazes a que chamam mucanda de tal época... Em toda a região da Lunda ninguém pode ser senhor de Estado sem ter passado por essa operação”, Carvalho, Ethnographia..., p. 448; “ritos de passagem masculinos, termo comum aos Quiocos, Lundas, Luenas, Chinjes, Minungos, etc”, Redinha, Etnossociologia do Nordeste de Angola, p. 98. Na consolidação do poder Cokwe, laços adicionais estabelecem-se entre indivíduos provenientes de diferentes aldeias através da mukanda. Cada mukanda inclui membros de diferentes linhagens, que assim, depois da cerimónia de iniciação, estabelecem entre si uma espécie de irmandade, baseada em laços de sangue e as ligações forjadas na Mukanda estendem a rede das relações entre as aldeias de onde são provenientes. V Miller, Cokwe Expansion, p. 12. Associação, derivada do proto-bantu gandá (mesmo radical de Nganda. Nas línguas Lweta significa associação. Noutros sítios (Lunda, Sudoeste de Angola (Mbunda, Nyemba, Luchazi), significa a iniciação masculina, Vansina, “Governement...”, p. 13

[22] Em 1881 Von Wissemann dá conta das mudanças de estratégia e da fundação de um novo caminho de comércio em cuja duração ele não acredita.
[23] V. Georges Balandier, Anthropologie politique, Paris, P.U.F., 1967, p. 221,222.
[24] Miller, Poder Político, p.136, « O relato seguinte conhecido numa corte menor dos Cokwe em 1903/ 1904, ao qual, presumivelmente, foi acrescentada informação tardia obtida dos chefes vizinhos Lukazi. A corte Cokwe afirma que Tembua Tchissengue caiu do céu no território do Mwant Yav e deixou cinco filhos e uma filha, os antepassados dos grandes chefes Cokwe», Vansina, “It Never happened...”, p. 395.
[25] Idem p.93 e nota 1.
[26] Na tradição dos lusona (desenhos na areia) Cisengue (Mwatcisengue) é o chefe mais conhecido e representado, Mário Fontinha, Desenhos na areia..., p.28.
[27] Previsto e aprovado por ministros das colónias como Louis Franck (1918-1924)
[28] Ver sobre este assunto Edouard Bustin, Lunda under Belgian Rule, pp. 65-98
[29] V. David Gordon, “Owners of The Land”, pp 324, 325
[30] Idem, p. 331. As relações do poder colonial com o  poder tradicional nas colónias britânicas resultaram do facto dos interesses mineiros nunca terem sido ameaçados, pela presença dos diferentes Mwata Kazembe, reconhecidos pelos poderes coloniais.
[31] J. Pereira do Nascimento/A. Alexandre de  Mattos, A Colonisação de Angola,p.32.
[32] Ver sobre este assunto Maria da Conceição Neto, “Respeitar o Passado- e não regressar ao passado. Contribuição ao debate sobre a Autoridade Tradicional em Angola, 1º Encontro sobre a Autoridade tradicional em Angola, Luanda, MAT, 2003, especialmente p.183. A alteração da situação só ocorre a partir dos anos sessenta do século XX, devido ao início das lutas de libertação nacional e a pressões internacionais, nomeadamente da OIT, Organização, Internacional do Trabalho.
[33] Chefe, a partir do kimbundu usóba, autoridade, poder, Cf. Cordeiro da Matta, Ensaio, p. 151 e também Maia, Dicionário, p. 488. Beatrix Heintze refere em Fontes... tratar-se de um título político dos mbundu, já referido nos documentos antigos sobre Angola. Heli Chatelain afirma que o título de Chefe em Quimbundo é geralmente soba, Cf, Contos,p. 81. Óscar Ribas, Dicionário...p. 272 averba para soba «autoridade suprema de uma tribo africana, Régulo». Adriano Barbosa, no Dicionário Cokwe – Português, p. 526, averba «soma- soba, régulo ou chefe de uma aldeia (vocábulo umbundu usado por vezes no quioco (sic) para designar o régulo ou soba subalterno do (Mw)anangana», Em Miller, Poder Político..., pp.194,195, 215, nota 120, 231, soba é sinónimo de título político e usado para designar titulares autóctones. Virgílio Coelho, em “A Questão do Controlo da Terra...”, p. 197, sublinha que «sobado é um termo híbrido que na língua portuguesa tem sido utilizado para nomear a terra ou lugar e localidade que geralmente é dirigido por um chefe político cuja designação é sóbà». Define “Jísòbá, como o detentor dos símbolos do poder confeccionados em ferro em contraponto com os Ílàmbá, senhores da terra. A literatura e a administração coloniais rasuram muitas vezes as complexas hierarquias entre os diferentes chefes africanos e consequentemente a diferente terminologia que os designa. A ideia de soba foi a que prevaleceu mesmo quando a legislação acorda que «autoridades gentílicas são os sobas, sobetas, séculos, macotas, mucuruntos, lengas e similares», Cf. Ferreira Diniz, Populações Indígenas de Angola, p. 659, considerando assim soba como a autoridade máxima reconhecida, ver sobre este assunto Rodrigues de Areia, “A Etnização da África...”, p. 380. Mesmo para regiões com outras formas de designar os portadores de títulos políticos “Mwata” de Mwâ:nt-chefe, “Grande do Estado”(Carvalho, Methodo, p. 365 e Ethnografia... p.74, nota 1) a palavra soba generalizou-se, ocorrendo por vezes a repetição de títulos. Ver a título de exemplo “soba Xá Tchisengue” na documentação da Companhia de Diamantes.

[34] Entrevista (1ª) a Felizardo Gourgel, realizada no Dundo Lunda- Norte em 18-11-2002.
[35] Documentos da Comissão de Cartografia, Cx. 15.
[36] Jean- Luc Vellut refere apoiando-se na tradição Samba esse tempo, V. Questions Speciales D’histoire de L’Afrique, p. 34.
[37] Para usar um conceito proposto por Jérôme Bachet,”L’Histoire Face au  Présent  Perpéctuel”, p. 57.
[38] V. Margareth Read, “Les Migrations de Travailleus en Afrique “,p. 684
[39] Marc Auge, Não-Lugares, p. 53.
[40] Archives du Ministére des Affaires Étrangères, AIMO, doc. E/6
[41] Em Angola como Governador de 1812 a 1915 e como Alto – Comissário de 1921 (nomeação de 1920) a 1924. A ele se devem os diplomas de concessão outorgados à companhia de Diamantes de Angola- Diamang.
[42] Archives M.A.E, AIMO, doc E/6.
[43] Formada como agência recrutadora de mãode obra, com fins não lucrativos, legalmente independente da “Chamber of Mines” mas sob o seu controlo político. V. sobre este assunto V.L. Allen, The Story, Vol I, pp. 157, 158. A formação, no Katanga, da Bourse du Travail du Katanga (BTK) inspira-se no modelo Sul- Africano.
[44] Vide nota 5.
[45] V. Halbwachs, La Memoire Collective, sobretudo o capítulo 2.
[46] Vulgarmente grafado na bibliografia Tsikapa, ou Tshicapa, ou na documentação portuguesa Chicapa. A bacia hidrográfica das Lundas tem um dos seus nós fundamentais no Alto Cikapa, de cota igual ou superior a 1300 m. Aí nascem os rios mais importantes : Kuango, Kuílo, Luangue, Cikapa, Luachimo, Ciumbe e Kassai. Esta rede fluvial terá influenciado e de certa maneira intensificado as sucessivas migrações de povos desde a pré-história, Vide Jan Vansina, Introdution a l’Etnhographie du Congo, Kinshasa, Université Lovanium, 1966 . Para a caracterização hidrográfica da região ver Relatório elaborado por Pinto Moura, “Estrutura Física da Lunda”, sd, relatório dactilografado.

[47] Forminiére- Société Internationale Forestiére et Miniére du Congo, criada pelo rei Leopoldo da Bélgica em 1906. Companhia ligada à Societé Génerale de Belgique.
[48] A criação da Pema é discutida no Conselho de direcção da Société Générale de 23 de Julho de 1912: ”Monsieur Jadot expose un project de constitution d’une Compagnie Portugaise dite Cie de Recherches Miniéres à L’Angola e fait connaitre les raisons qui ont determiné cette creation. [48] São sócios fundadores da PEMA O Banco Nacional Ultramarino, a firma Henry Burnay & C.ª (mais tarde Banco Burnay),-Portugal; a Société Génerale de Belgique, a Mutualité Coloniale-Bélgica; a Banque de L’Union Parisienne – França e o Grupo Ryan- Guggennheim-Estados Unidos da América

[49] O distrito da Lunda é criado por decreto de 13 de Junho de 1895, sendo seu governador Henrique de Carvalho. Este decreto fixava como limites N e L as fronteiras com o Congo (Estado livre) e O e S os rios Kwango e Kasai. Como directiva para a ocupação que ela se fizesse a N por Kasanje e a S por Mona Quimbumdo. A sede do distrito seria Capemba Camulemba. As disposições do decreto ficariam dependentes da ocupação militar e Malange continuou a ser a sede do distrito. Este decreto seria sucessivamente modificado em 1907 e em 27 de Maio de 18917 (aplicação a Angola do regime das circunscrições administrativas) a ainda pela portaria provincial de 17 de Abril de 1913, pela portaria nº 144 de 11 de Junho de 1918, pelo decreto nº 3 365 de 15 de Setembro de 1917 e pela portaria nº 150 de 21 de Junho de 1918 (divide a Lunda em cinco capitanias –mores: Camaxilo, Cuilo-Chicapa. Minungo, Cassai Norte e Cassai-Sul. O decreto nº 292 (B.O. nº 21- 1ª série, 12 de Maio, 1923, p. 25) divide o distrito em : “ uma circunscrição de fronteira,denominada Chitato; e seis circunscrições civis denominadas Camaxilo, Cuilo-Chicapa, Cassai-Norte, Saurimo, Cassai-Sul e Minungo.

[50] Como refere Bustin, cit, p. 44, «de 23 grandes campanhas de pacificação ocorridas no Kassai entre 1893 e 1911, pelo menos 10 foram dirigidas contra os Cokwe. A missão de prospecção de 1912, chefiada pelos engenheiros Decker e Newport, ao serviço da Forminiére foi impedida pelo chefe Kalendende.
[51] Ver sobre este assunto e para o caso de Angola a análise em Ruy Duarte de Carvalho, “Guerra, Paz, Violência Estrutural e Desenvolvimento” em A Câmara, A Escrita e a Coisa Dita...Fitas, Textos e Palestras, Luanda, Inald- Instituto Nacional do Livro e do Disco, 1997, p.98.
[52] Ruy Duarte de Carvalho, cit, p. 99.
[53] Os fundamentos de um tipo especial de exploração são lançados com a criação da companhia, “portuguesa” (artigo 2º dos estatutos) e com um capital social fornecido em Portugal pelo Banco Nacional Ultramarino, e Henry Burnay e Cie.; na Bélgica a Société Générale e a sua associada a Société Internationale Forestière et Minière du Congo (Forminiére); em França O Banque de L’Union Parisienne; na Republica da África do Sul a Anglo American Corporation; e, nos Estados Unidos da América, o grupo Ryan- Guggenheim. Os estatutos da Companhia de Diamantes de Angola, DIAMANG são publicados no Diário do governo, II Série,nº 136, de 12 de Junho de 1918 e Boletim Oficial da Província de Angola, II série, nº 27 de 6 de Julho de 1918

[54] Como se pode ver em Bill Freund, “Labour and Labour History”, p. 2.
[55] Relatório do Representante da Companhia de Diamantes em Angola em 1929, MUC, Cx, 202.
[56] Desde 29 de Abril de 1875 que a produção legislativa, abundante a partir dessa época, prevê o mecanismo do contrato, tendo o regulamento de 1899 (Decreto de 9 de Novembro de 1899) consagrado a obrigatoriedade do trabalho no seu artigo 1º: “Todos os nativos das províncias ultramarinas estão sujeitos à obrigação legal e moral de trabalhar, podendo escolher o meio de cumprirem esta obrigação...” “ se não cumprirem de modo algum a autoridade pública poderá impor-lhes o seu cumprimento”. Em 1902 o Regulamento Provisório do Trabalho Indígena e Fomento agrícola de Angola não altera estes princípios. Nem mesmo as leis e regulamentos publicadas depois da Implantação da Republica alteram estas disposições. Ver Decreto de 27 de Maio de 1911 e o Regulamento Geral do Trabalho dos indígenas nas Colónias Portuguesas de 14 de Outubro de 1914. Um corpus legislativo produzido na província e contendo várias disposições referentes à mão- de- obra ‘indígena’ regula e permite os procedimentos no que se refere ao angariamento e recrutamento de trabalhadores.

[57] Em 1924 chegam à Lunda 2000 trabalhadores provenientes do Moxico e cerca de 300 originários de Benguela, Bié e Huila, Acta da 51º sessão do Conselho de administração realizada no dia 29 de Julho de 1924.
[58] “Chez les indigènes, l’etát sanitaire reste peu favorable. Les maladies le plus fréquement constatées sont: le paludisme, les affections intestinales, les affections pulmonaires et une énorme quantité d’ulceres des members inférieures, la plupart du type phagédémique à marche rapide. La sous – alimentation est la cause principale du manqué de resistence des travailleurs”, SPE, Rapport de la Direction Tecnhique de 1932.
[59] O índice de Pignet calculava-se subtraindo da altura em centímetros a soma do peso em quilos e do perímetro torácico em centímetros. Essa fórmula permitiu a criação de uma escala que determinava o índice de robustez e logo a aptidão dos trabalhadores para o serviço.V. R. Mouchet e R. Van Nitsen, La Main - D’Oeuvre Indigène, pp.3,4. V. Tb. A. A. Almeida e Sousa, O Índice de Pignet..., passim.
[60] Acta da 47ª Sessão do Conselho de Administração, 26 de Dezembro de 1923, Fundo SPE, cx 40. Note-se que o decreto nº 41 de 3 de Agosto de 1920, do governo Norton de Matos regulava o fornecimento de alimentação e sabão aos trabalhadores consignando no seu artigo 6º alínea d) que a dieta tinha que conter 700gr de fuba, 300gr de feijão (podendo este ser substituído por 150 gr de arroz ou 600gr de batata doce), 250 gr de carne (podendo alternar 4 vezes por semana com 300 gr de peixe), 50 g de azeite de palma e 30 g de sal, por dia. Considerada medida pesada pela Companhia foi negociado entre o representante da Companhia e o governador de Malanje, um “modus vivendi depois aprovado pelo Alto Comissário, em que a par da solução de outras questões importantes, se define também a forma da Companhia satisfazer, dentro dos limitados recursos locais, as pesadas disposições regulamentares relativas à alimentação e higiene dos indígenas empregados nas explorações mineiras” Relatório do Conselho de Administração relativo ao ano de 1922. O diploma legislativo nº 670, BO nº 50, 1ª série de 15 de Dezembro de 1927, publicado pelo Alto-comissário Vicente Ferreira altera as disposições do anterior diploma Norton de Matos. Ao não tabelar as quantidades dos diferentes elementos fixados na dieta, permite às Companhias privadas uma maior margem de manobra no que toca à alimentação dos trabalhadores.
[61] Os estudos levados a cabo nas regiões mineiras do Congo Belga são conhecidos. Alguns médicos belgas visitam a Diamang. A ideia do papel do “médico industrial” cujo papel deve ser “sem abandonar o ideal fundamental da sua profissão, organizar um serviço no interesse da empresa que o emprega” e que portanto a sua actividade se deve pautar seguindo os eixos da higiene e profilaxia no trabalho e a gestão económica”, cf. R. Mouchet e R van Nitsen, la Main d’Oeuvre, p. 203. O estudo aponta a constituição das rações alimentares regulamentadas desde 1930 e com a seguinte composição :
(Ração/dia)
Proteínas....................................100 g.
Gorduras... ................................ 75 g.
Hidratos de carbono............... 600 g.
Legumes ou frutos frescos..... 150 g.
Sal...............................................  15 g.
Do trabalho ressalta ainda a grande liberdade do médico em compor as rações e a possibilidade de as ajustar ao gosto e hábitos alimentares dos ‘indígenas’ e a partir de uma composição base, estudam outras situações noutras regiões mineiras de África, V. Mouchet e Nitsen, cit., pp.223,235. A título de informação registamos que um dos autores deste trabalho visita a Diamang.
[62] Ver circular 5 de 17/1/41, de 16/12 de 41; Telegrama de 17/12/41, do Dundo para Luanda (recebidas 100 famílias mucubais. Não desejamos mais(sic); Relação dos indígenas mucubais chegados ao Dundo, 23/2/42, Fundo SPE, Diversos, Mão de Obra Indígena, Dossier 1941/1942. “A guerra de 1940-41, que é a última e a definitiva destas diligências, utilizou cerca de mil soldados... Durou 5 meses, comportou execuções em massa e atrocidades contra prisioneiros... Fez mais de 3500 prisioneiros que depois remeteu às Ilhas de S. Tomé e do Príncipe, à Lunda, onde trabalharam para a Diamang...”, Ruy Duarte de Carvalho, Aviso..., p. 22.
[63] Cunha Leal elabora alguns textos, mais tarde reunidos em livro, Coisas do Tempo Presente, Coisas da Companhia de Diamantes de Angola (DIAMANG), Ed. Do Autor, 2 Vols. Respectivamente de 1957 e 1959, contra os privilégios da companhia e contra a gestão de Ernesto de Vilhena. Alguns Jornais da então Província de Angola fazem eco de algumas vozes que se afirmam contra a Companhia.
[64] Gilberto Freyre, Aventura e Rotina, Lisboa, Livros do Brasil, [1954], pp. 350, 351
[65] Ernesto Vilhena, Aventura e Rotina, Crítica de uma Crítica, p. 7
[66] Idem, p, 18. Ver sobre este assunto Cláudia Castelo, «O Modo Português de Estar No Mundo, O luso-tropicalismo e a ideologia tropical portuguesa(1933-1961),pp. 93, 94, 95. Para uma visão alargada da discussão sobre o conceito Lusotropicalismo v. Lusotopie, 1997, especialmente o capítulo “Lusotropicalisme, Ideologies Coloniales et Identités nationales dans les mondes Lusophones”, p. 195-377.

[67] O primeiro trabalho de busca e aquisição das peças data de 1936 e foi efectuado nos arredores do Dundo, Relatório do Conservador do Museu José Redinha, de 22 de Setembro de 1945.
[68] Endiama
[69] V. Filip De Boeck, “Comment Dompter Diamants et Dollars: Dépense, Partage et Identité au Sud-oest du Zaїre(1980-1997) in Chasse au Diamant au Congo/ Zaїre, Larent Monnier/ Bogumil Jewiewicki et Gauthier de Villers (dir.), Cahiers Africains, 45-46, Institut Africain-CEDAF/Harmattan, Tervuren/Paris, 2000, pp.172-208.
[70] Informações recolhidas no trabalho de campo em 2001, 2002 e 2003.
[71] Leonardo Kojo, Lunda –Norte, entrevista de 2001.

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