Trabalho indígena


NETO, Maria da Conceição, Recolha de legislação sobre Trabalho Indígena


DA CRONOLOGIA:

1914 - Decreto n° 951 de 4 de Outubro aprova: "Regulamento Geral do Trabalho dos Indígenas nas* na (Imprensa Nacional, Lx., 1914) compila toda a legislação em vigor sobre o assunto. Mantém o sistema base do Reg. de 1899 no que diz respeito à obrigação moral e legal de trabalhar. O indígena que não cumprisse voluntariamente a obrigação do trabalho deveria ser levado a fazê-lo pelas autoridades, que empregariam os meios necessários, educando-os e civilizando-os (Art. 94) Quando, depois de se ter verificado não beneficiar de qualquer isenção se recusasse a trabalhar, esgotados os meios de persuasão, seria então intimado e compelido a fazê-lo (parágrafo único do Art. 94). Os meios de compulsão podiam ser os do Art. 95 e o trabalho compelido poderia ser utilizado nos termos do Art. 97, tanto por entidades publicas como privadas; ( Silva Cunha pp.200 e 201). Os indígenas que resistissem aos meios de compulsão seriam julgados como vadios e punidos com trabalho correccional nos termos do Art. 96. O trabalho compelido seria prestado nas condições estabelecidas para o contrato de trabalho nos termos do Art. 106. O trabalho correccional, em princípio, poderia ser prestado em O.P. do Estado ou municipais (Art. 107 parag. único) e os indígenas tinham direito a alimentação e alojamento por conta do Estado ou do Município que os empregasse. Quando o Estado ou os Municípios não os pudessem empregar, poderiam ser obrigados a servir particulares que os requisitassem. As relações dos patrões de serviçais compelidos ou condenados a trabalho correccional deveriam ser as mesmas existentes entre patrões e serviçais livres. Este doc. consagra pois o trabalho compelido e o trabalho correccional. (Silva Cunha pp 200/201; transcrever os parágrafos citados da própria lei pp. 59/64)

1914 – [mais informação] Decreto nº 951 de 14 Outubro 1914 (elaborado no Governo central por Lisboa de Lima) – substitui Código de Trabalho de 1911 - facultava "os meios de obrigar os indígenas ao trabalho"… Criticando nos considerandos (1º) "leis prematuras [que] podem ser ineficazes e mesmo nocivas, querem para os indígenas os mesmos direitos dos habitantes civilizados da Metrópole…" e (2º) lembrando que restava ao Europeu, chegado às colónias, submeter o indígena para ter "mão-de-obra barata e abundante" naqueles países tropicais "porque outra não resiste ao clima", considerando também (3º) que o governo, a quem compete manter a liberdade de trabalho do indígena, também tem de intervir para facilitar a mão-de-obra a quem precisa "visto a psicologia do indígena, a sua preguiça natural e a falta de necessidades que o obriguem a procurar trabalho por si sós". Noutro considerando (5º) explica-se o sentido do trabalho compelido (quando voluntariamente não se apresenta o indígena) e do trabalho correccional (quando recusa o trabalho compelido e volta à ociosidade incorrendo no crime de "vadiagem", punível por lei). Noutro (7º) refere-se "a pouca produtividade do trabalho do indígena"… AT 174-5 [fonte dele: Venâncio Guimarães 1923 AngolaPara a história do reinado de Norton, pp. 21-22. Ver BO]. A lei provocou protestos nomeadamente da "Junta de Defeza dos Direitos d'África". AT 197. 1914 – Cl-S: Código do Trabalho pouco diferia do de 1899

1921 - Norton de Matos - Decreto nº 41 de Agosto de 1921 - decreto proibindo a obtenção de trabalhadores forçados por parte de patrões individuais (decreto "ignorado" pelos colonos…). Ver também dec. 40.

1921 - Decreto A-C nº 73, 17-11-1921 – mão-de-obra: emigração de indígenas para fora de Angola para S. Tomé e Príncipe e com condições. … defendendo que sempre que possível o trabalho não afastasse muito o indígena da sua terraPortanto, combatendo a emigração dos indígenas, nomeadamente proibindo-a para as colónias vizinhas, com apenas alguma temporária excepção “para o contrato de trabalhadores indígenas a empregar no prolongamento dos caminhos de ferro de Angola …” [ o CFB estava nessa condição!] ou “a trabalhos de fomento” dos governos das colónias vizinhas, a título temporário e desde que próximos das fronteiras… [Norton de Matos A Província… p. 246-7]

1921 - Despacho do AC , nº 2 de 30 de Dezembro de 1921 regula serviço de carregadores. : "Os indígenas do Distrito de Malange angariados pelo Estado para transporte de cargas vencerão 1$50 no primeiro dia, 1$00 no segundo e $80 nos outros dias, sem direito a alimentação. Será feito na circunscrição ou posto metade do pagamento total com antecedência pelo menos de doze horas do início da marcha, para os indígenas poderem comprar alimentação. A outra metade será satisfeita quando os indígenas se apresentarem de regresso e provarem, pelas verbas lançadas na respectiva guia, o cumprimento do serviço." … "Quando se tratar de transporte de pessoas por meio de machilas ou tipóias os salários diários serão o dobro dos acima indicados. Lembra-se as determinações dadas em circulares do Governo Geral de 1912 a 1915 e que em resumo são as seguintes: 1º - Os oficiais e praças nunca se poderão transportar em machila ou tipóia a não ser em caso de doença. 2º - Os funcionários civis o poderão fazer quando o médico atestar que não podem fazer a marcha a . 3º - Compete aos Governadores dos distritos e autoridades administrativas providenciar para que os funcionários civis e militares tenham transporte mecânico ou animal à sua disposição; 4º - No caso de marcha de forças serão rigorosamente observadas as prescrições dos regulamentos militares quanto a transporte de oficiais e graduados. Devem constituir-se fundos permanentes nas circunscrições e postos para este fim."

1922 - Circular nº 7/116 – 1922 - Da Secretaria de Colonização e Negócios IndígenasRepartição Superior dos Negócios Indígenassecção 3ª, Luanda, 10-02-1922 – Ao Administrador da Circunscrição Civil do Huambo – Aditamento à Circular 17/826 de 29-12-1921. Assunto: as Cadernetas de trabalho dos indígenasprincipal objectivo "a fiscalização de como o indígena cumpre a sua obrigação de trabalho"… [ver DOC adiante]

1923 - Decreto 315 de Agosto 1923, altera algumas disposições do Decreto nº 41, de Agosto de 1921

1925 - Portaria Provincial nº 4 de 16 de Janeiro de 1925: "Instruções provisórias para o Recrutamento e Emprego de Trabalhadores Indígenas na Província" (de Angola). Acaderneta indígena” registava o trabalho e o pagamento do imposto anual. Antecede o próprio Estatuto dos Indígenas (Decreto 12.533, de 23 de Outubro de 1926).

1926 – Dec 12.533, 23 Outubro – (pub. Diário Gov. nº 23, 23-10-26, p. 903) [in por ex. Jornal de Benguela, Ano XV (1926), n. 49, 3-12-1926, p. 3] - 'Estatuto político, civil e criminal dos indígenas de Angola e Moçambique'. Ligeiras alterações ao Estatuto ocorreram posteriormente: Dec. nº 13.698, 30 Nov. 1927; Dec. 16.473, 6 Fev. 1929 [ extensivo à Guiné]; Dec. 39.666, 30 Maio 1954.

 

DOCS:

DOC 1) Mostrando que nos anos 20 (Norton de Matos) estavam a impor a caderneta de trabalho (antes das datas que tenho na Cronologia). Provavelmente antes disso, mas não encontrei ainda documentado.

Arquivo Histórico de Angola, Avulsos, Caixa 466, Huambo.

Circular nº 7/116 – 1922 - Da Secretaria de Colonização e Negócios IndígenasRepartição Superior dos Negócios Indígenassecção 3ª, Luanda, 10-02-1922 – Ao Administrador da Circunscrição Civil do Huambo – Aditamento à Circular 17/826 de 29-12-1921.

Assunto: as Cadernetas de trabalho dos indígenasprincipal objectivo "a fiscalização de como o indígena cumpre a sua obrigação de trabalho"

- são registadas e autenticadas na circunscrição a que pertence o indígena

- deverão ser exigidas aos indígenas contratados para o serviço do Estado

- igualmente para os que estão a trabalhar, quando regressem às suas terras sendo então registadas e autenticadas as cadernetas …"conforme com a circular acima indicada [nº 17/826, de 29-12-1921] e as instruções sobre repressão da ociosidade dos indígenas."

- patrões de indígenas "contratados sem intervenção da autoridade e cujo domicílio não é o da prestação do trabalho" são obrigados no fim do contrato a "mandar apresentar os indígenas ao administrador da circunscrição a que pertencem" para fazer as cadernetas

- os patrões a quem se apresentem indígenas a oferecer serviços sem serem da circunscrição do local de trabalho, devem exigir-lhes "a guia de trânsito de que devem estar munidos"

- …"os administradores de circunscrição e os capitães-mores devem observar o disposto no art. 7º do Decreto nº 73 do Alto Comissariado, de 17 de Dezembro de 1921, e dele dar conhecimento aos patrões de trabalhadores indígenas." 

Ass. O Secretário Provincial, Ferreira Diniz

 

 
DOC 2) Como era a partir dos anos 40, pelo menos. As mulheres não estavam excluídas, embora não fosse de uso tão generalizado como para os homens. Por exemplo, as que trabalhavam para a Câmara na limpeza da cidade não precisavam … O que as deixava também muito mais vulneráveis em termos de trabalho.

 

In Voz do Planalto, nº 491, 9 de Maio de 1942, p. 6

EDITAL - DAVID TAIPA DA COSTA MACIEL, Secretário, por delegação do Intendente do Distrito, como Administrador do Concelho do Huambo:

TORNO PÚBLICO que nenhum indivíduo, empresa, estabelecimento particular, serviços do Estado ou a eles ligados, serviços municipais ou qualquer outro, devem admitir ou consentir ao seu serviço indígenas do sexo masculino, maiores de 18 anos, isentos ou não do pagamento do imposto indígena e os de 14 a 18 anos de idade, quando voluntariamente trabalhem para qualquer patrão, devidamente autorizados pelo seu pai ou mãe ou de quem sobre eles exerça tutela, sem que possuam a caderneta indígena, devidamente escriturada pela autoridade administrativa.

A posse da caderneta indígena de identificação e trabalho (do modelo aprovado por Portaria nº 3.937, de 25 de Fevereiro do corrente ano [1942]) é obrigatória: a todos os indígenas maiores de 16 anos, quando recenseados para o pagamento do imposto; aos do sexo feminino empregados nos serviços domésticos; aos indígenas de 14 a 18 anos, quando voluntariamente trabalham para qualquer patrão e a todos os indígenas dos estabelecimentos do Estado ou a eles ligados, como se disse.

Depois de SESSENTA DIAS a contar da publicação deste edital, será punido todo o indígena que for encontrado sem andar munido da referida caderneta, o mesmo sucedendo a todas as pessoas ou empresas que tenham ao seu serviço indígenas não possuidores das mesmas cadernetas, como estabelece, taxativamente, a citada Portaria.

É proibido o transporte de indígenas em camionetas ou outros meios de transporte, sem que eles apresentem a respectiva guia de trânsito, exarada na caderneta, incorrendo os proprietários ou condutores das viaturas na pena designada no art. 188º, § 1º do Código Penal, como determina a P. nº 3.771, de 23 de Agosto de 1941.

E para constar, se fez este e outros de igual teor, que vão ser afixados em todos os lugares públicos e do costume da área do concelho.

Administração do Concelho do Huambo, em Nova Lisboa, 30 de Abril de 1942.

Por delegação do intendente, como Administrador, ass. David Taipa da Costa Maciel

 

 

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